quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

Babel em Copenhague



A maior reunião sobre clima já realizada confirma que, para salvar
o planeta, é preciso mais ciência e menos blá-blá-blá


Ronaldo França, de Copenhague
Reuters


NÃO FOI DESTA VEZ
Depois de duas semanas de reuniões, líderes mundiais não se entenderam em Copenhague: o acordo foi frágil






A 15ª Reunião das Nações Unidas para Mudanças Climáticas (COP15) tinha uma missão difícil. Fazer com que representantes de 192 países e sessenta comitivas de chefes de estado chegassem a um acordo mundial para a redução de gases de efeito estufa na atmosfera era um desafio e tanto, mesmo na visão dos mais otimistas. Ainda assim, foi surpreendente o que se passou em Copenhague na sexta-feira. Esperava-se que, depois de uma reunião de emergência que começou na noite de quinta-feira e só terminou no dia seguinte, as respeitáveis autoridades conseguissem pelo menos manter as aparências. No entanto, presidentes, primeiros-ministros e príncipes foram embora da Dinamarca de mãos abanando. Deixaram para seus negociadores a tentativa de salvar algum compromisso minimamente palatável, que se traduziu em um documento político. As preocupações legítimas com o fenômeno climático transmutaram a reunião da ONU num espetáculo pouco útil aos interesses do planeta, porém ao gosto da indústria de ONGs e empresas que se beneficiam da paranoia em torno do assunto. Mas atropelos e desencontros da reunião de Copenhague não significam que o mundo está irremediavelmente fadado ao cataclismo. O mundo não vai acabar desta vez. O que acabou foi a COP15, uma das reuniões de um processo de negociação que já se desenrola há dezessete anos. Tudo o que não ficou decidido ali estará em discussão novamente em 2010, na COP16, que acontecerá em dezembro, no México. De qualquer modo, foi um fim melancólico.
Para que a conferência fosse bem-sucedida, seria necessário ter passado a limpo cinco itens de sua agenda. Até o encerramento desta edição de VEJA, na sexta-feira à noite, ainda havia muitas dúvidas. O único acordo claro deu-se em torno do que já se sabe à exaustão: é preciso limitar o aumento da temperatura global, e esse limite é de 2 graus. Mas tudo o que precisa ser feito para que isso aconteça ficou para depois.
 A segunda questão-chave para o sucesso da reunião era trazer os EUA, o segundo maior emissor de gás carbônico do mundo (foram ultrapassados pela China), para dentro do acordo que impõe metas obrigatórias e de médio prazo aos países. Os EUA, que não assinaram o Protocolo de Kyoto, seguiram sem ceder nesse ponto.
 Outra esperança da reunião era que países emergentes, como China, Índia e Brasil, também fossem obrigados a reduzir o crescimento de suas emissões, já que em Kyoto não lhes fora imposta nenhuma meta. A maior dificuldade nesse caso foi a recusa, principalmente da China, em permitir que outros países fiscalizassem suas ações internas de redução das emissões de gases do efeito estufa.
 Também se tentava fazer com que os países desenvolvidos que aderiram ao Protocolo de Kyoto continuassem comprometidos com a redução das emissões, e a ampliassem. Isso para fazer frente às novas descobertas da ciência, segundo as quais, na metade deste século, o mundo não poderá estar arremessando na atmosfera mais do que 60% dos gases de efeito estufa que emitia em 1990. Tampouco se decidiu algo de concreto nesse ponto.
O maior avanço deu-se no aspecto financeiro. Foi decidida a criação de um fundo de 100 bilhões de dólares por ano, a ser investidos até 2020 em ações para que os países que estão condenados a sofrer os trágicos efeitos do aquecimento possam se adaptar. É uma quantia suficiente pelo menos para começar o trabalho.
Parte do fracasso da COP15 deve-se ao complicadíssimo rito das reuniões da Organização das Nações Unidas, que precisam conciliar os interesses de quase 200 países, costurando as questões políticas e econômicas. A ideia de que os países partirão para a cruzada sem antes prestar atenção a seus interesses nacionais não se sustenta. "É preciso entender que essa discussão é eminentemente econômica. O que os países têm em mente é o que acontecerá com sua economia se eles se impuserem uma meta de redução de emissões muito ousada", disse a VEJA um dos envolvidos na negociação e integrante da delegação brasileira. É isso que está contido em cada linha dos vários documentos paralelos que circularam na reunião, cada um com uma nova proposta para solucionar o impasse.
Os entraves enfrentados em Copenhague são os mesmos que se podem esperar nas negociações futuras. Um dos principais é a recusa dos países emergentes em se diferenciar dos países pobres, estes, sim, necessitados de dinheiro para dar conta de sua tarefa. A maioria dos emergentes foi para a conferência tentando pegar carona na pobreza da África para também tungar os ricos. Ninguém discorda de que os países que estiveram à frente na Revolução Industrial poluíram mais o ar do que outros. Mas a responsabilidade maior não significa colocar dinheiro a fundo perdido sem a possibilidade de fiscalização na aplicação dos recursos. Além disso, por menos que tenham emitido fumaça, esses países também tiveram uma parcela de responsabilidade. No caso brasileiro, calcula-se que 2,8% do CO2 na atmosfera seja verde e amarelo. E o Brasil finge que não vê essa realidade. Reputa suas metas a uma posição nacional desprendida.
A expectativa em torno de resultados revolucionários na COP15 começou há um ano, no início do governo Obama. Havia a impressão de que sua política para o clima seria um enorme avanço em relação à de seu antecessor, George W. Bush, que não ratificou Kyoto. Mas a maior democracia do planeta se comporta como um transatlântico que navega sem ser afetado pelas ondas. O que o governo americano fez foi oferecer metas de redução sem aceitar associar-se a nenhum acordo que se pareça com o Protocolo de Kyoto. Uma diferença brutal em relação ao discurso do presidente brasileiro. Lula declarou, sem consultar o Congresso, sua base política e sem ter falado sobre isso em seu país, que estaria doando mais dinheiro para o combate ao aquecimento, o que não passa de uma bravata internacional. A participação brasileira na conferência foi modesta, ao contrário do que a desenvoltura com que o presidente se movimentou diante das câmeras fez parecer. Mais da metade da delegação oficial de 700 pessoas foi passear na Escandinávia e tentar fazer negócios aproveitando-se da moda ambiental.

Fotos/Powel Kopczynski/Reuters

EM VÃO
Manifestações de ativistas terminaram em pancadaria e com centenas de detidos: truculência da polícia e desorganização do evento marcaram a conferência do clima

As lições da COP15 serão duras. Juntar 120 chefes de estado para assinar o fracasso foi um marco nas relações internacionais. Um fiasco que se tornou ainda mais vergonhoso diante das cenas de tumulto e desorganização. Mais de 100 000 pessoas, de aproximadamente 500 ONGs ligadas à causa ambiental, promoveram manifestações para pressionar os líderes mundiais por um acordo. A polícia reprimiu os protestos de forma truculenta, e as imagens de manifestantes arrastados, sendo espancados ou com o rosto coberto de sangue correram o mundo. Num único dia, mais de 900 ativistas foram detidos. Além disso, a conferência sofreu com a desorganização. Havia cerca de 45 000 pessoas no centro de convenções, cuja capacidade é de 15 000. Por causa da superlotação, a segurança teve de limitar o acesso ao local. Cenas assim é que fazem aumentar o ceticismo sobre os riscos do aquecimento global. O instituto Gallup pesquisou a opinião dos americanos sobre o assunto e encontrou uma tendência de aumento no número de pessoas que acreditam que as notícias que leem nos jornais acerca do tema são exageradas. Em 2006, 30% tinham essa opinião. Hoje, essa avaliação é feita por 41% dos entrevistados. Copenhague, além de não ter avançado nas tarefas objetivas a que se propunha, pode ter atrapalhado a causa ambiental.

Fotos Ricardo Stucker/PR e INTS Kalnins/Reuters

PALANQUE GLOBAL
Lula e a comitiva do Brasil (à dir.) e Hugo Chávez (ao lado): o brasileiro defendeu os países subdesenvolvidos; o venezuelano, para variar, atacou os Estados Unidos

REVISTA VEJA

Parque da Consciência Negra - Outubro 2009